Manifesto “Pela justiça interseccional, contra a opressão estrutural”
“Pela justiça interseccional, contra a opressão estrutural” (subscreve o manifesto aqui)
Esta é a 6.ª edição da Marcha de Viseu pelos Direitos LGBTQIA+. Seis anos que, desde a primeira edição em outubro de 2018, um conjunto de cidadãs e cidadãos de Viseu, coletivos unidos na defesa de direitos Humanos e Animais e de causas Ambientais se organizam na luta pela diversidade, liberdade e autodeterminação individual de todas as pessoas. Há seis anos que, em Viseu, através de diferentes iniciativas, manifestações, concentrações, reuniões, conversas e festas, se faz a luta pelos direitos LGBTQIA+. Há seis anos que nesta cidade, considerada outrora a capital da homofobia, se celebra o orgulho LGBTQIA+.
Sim, para os mais céticos, a respeito da celebração do orgulho LGBTQIA+, existem mais que razões para o continuarmos a celebrar. Razões para nos reunirmos em coletivo e relembrarmos, partilharmos e celebrarmos as nossas múltiplas experiências, desafios e conquistas contra o estigma da orientação sexual, da identidade de género, dos corpos “falhados” ou “monstruosos” que continuam a ser patologizados, encarcerados, mercantilizados e invisibilizados pela lógica reprodutora do hétero-patriarcado. Reunidos, compreendemos a importância de ocupar o nosso lugar de fala, a importância da diversidade das nossas diferenças para visibilizar a interseccionalidade das formas de assédio que continuam a atentar as diferentes esferas da nossas vidas.
Mas também existem razões para continuarmos a lutar. Do trabalho à habitação, da saúde à educação, o caminho para a igualdade mostra tardar a cumprir-se. Tarda cumprir-se, ainda, nas escolas, espaços de excelência para o desenvolvimento individual e intelectual que revelam os altos índices de insegurança e violência física de jovens LGBTQIA+, na saúde, na garantia de todos os cuidados médicos e terapêuticos necessários para a garantia da integridade física e psicológica de todas as pessoas, no acesso ao mercado de trabalho regulado e carreira profissional sem correr o risco de um coming out forçado, no acesso à habitação, mostrando a comunidade LGBTQIA+ continuar a estar mais vulnerável a situações sem abrigo. Estes são só alguns dos inúmeros obstáculos que pessoas LGBTQIA+ têm de enfrentar todos os dias. Todos os dias se debruçam com as mesmas dificuldades, com a hostilidade de uma sociedade que as tenta invisibilizar, mas ainda assim continua a erguer e lutar. Não será esta uma boa razão para celebrar?
Neste ano, em Portugal, ocorreram três eventos que hoje achamos pertinente destacar: os protestos “transfake” de Keyla Brasil e Dusty Whistles no Teatro São Luiz em Lisboa; os ataques da “ideologia de género” nas escolas por Rita Matias, deputadada extrema-direita no Parlamento; e por último, a manifestação «Não há orgulho no apartheid!» contra o pinkwashing colonial israelita que continua a explorar, matar e oprimir as pessoas LGBTQIA+ palestinianas.
Keyla Brasil e Dusty Whistles, duas mulheres trans migrantes a residir em Portugal, mostraram no início deste ano a invisibilidade e consecutiva exclusão de trabalhadores trans nos meios culturais através da apropriação de papéis trans. Uma prática que acontece não só nos meios culturais mas em tantas outras esferas do mercado de trabalho, do meio académico e educacional. As manifestações Transfake, ainda que noticiadas pelos meios de comunicação social, deram conta das formas de injustiça epistémica e abuso de poder que pessoas Trans e Queer continuam a ser sujeitas, ridicularizadas, silenciadas e excluídas do meios institucionais e públicos, nomeadamente o laboral.
Não são de agora os discursos LGBTQIA+ fóbicos em torno da “ideologia de género” nas escolas, da “doutrinação” e “hipersexualização” das crianças através da cidadania de género e educação sexual assim como da contestação de casas de banho mistas ou uso destes espaços públicos por pessoas trans. A deputada da extrema-direita, Rita Matias, intitulando-se de “antifeminista”, deu voz ao partido no Parlamento sobre esta matéria. Em Abril do ano passado, Rita Matias afirmava que se o seu partido formasse governo em Portugal, todas as leis produzidas em torno da igualdade e não discriminação da identidade e/ou expressão de género, orientação sexual e características sexuais seriam revertidas. Outro caso que marcou o ano foi o assalto de um grupo de manifestantes conservador da extrema-direita a uma apresentação de um livro infanto-juvenil, o primeiro a ser escrito em linguagem neutra de género dentro da temática Queer. Condenamos qualquer ato de censura contra a liberdade de expressão e qualquer ato de intimidação e/ou silenciamento desta ou de outra temática que visam a promoção da liberdade, inclusão e diversidade. É por isso premente a luta antifascista e devemos estar vigilantes a este vírus.
A apropriação dos movimentos LGBTQIA+ para promover uma organização, partido ou Estado, escondendo preconceitos, más intenções ou crimes, o “pinkwashing” é outra das questões que mostram estar em cima da mesa na luta ativista em Portugal. A 8 de junho deste ano, em Lisboa, um conjunto de coletivos e marchas LGBTQIA+ de todo o país mostrava o seu repúdio contra a organização de um evento de orgulho LGBTQIA+ organizado pela Embaixada de Israel num icónico bar LGBTQIA+ de Lisboa. Condenamos o pinkwashing praticado pelo Estado de Israel e a sua perseguição a pessoas LGBTQIA+ palestinianas, porque a luta de libertação Queer não é senão o reflexo da luta pelos direitos humanos. Condenamos também a estratégia neoliberal de aproveitamento e esvaziamento político dos movimentos sociais que repercute em debandada nas grandes capitais internacionais.
Estes são apenas alguns dos episódios sobre a luta e orgulho LGBTQIA+ que resgatamos da memória de 2023, porém, muitos outros ficarão por lembrar.
Para finalizar, não esquecemos da contínua resistência e tentativa de invisibilização dos municípios portugueses, em particular do município de Viseu, à promoção da diversidade e integridade das suas gentes. Ao longo dos últimos seis anos foram várias as tentativas de contacto e colaboração com o município de Viseu de forma a criar sinergias que beneficiassem a comunidade em torno de questões de igualdade e não discriminação. Os encontros com o atual executivo municipal aconteceram, as promessas à construção de instrumentos de política local que garantam a proteção, segurança e defesa dos direitos de pessoas LGBTQIA+ também, no entanto, chegamos quase ao final de mais um ano e está tudo por cumprir. A CMV persiste em ter uma postura conservadora, sem querer dialogar e ouvir as reivindicações das pessoas LGBTQIA+. A política autárquica deve ser, entre muitas coisas, também um espaço que promova a igualdade e diversidade dos seus munícipes. Este ano, celebramos também os poetas viseenses Judith Teixeira e Luís Miguel Nava. O reconhecimento das suas vidas e obras no contexto cultural e literário português é premente para a desconstrução de tabus em torno da criação artística e literária Queer.
Aqui, no interior, os desafios são múltiplos. O isolamento geográfico traz dificuldades acrescidas convidando a quem aqui vive à emigração. O acesso a serviços públicos gratuitos são dificultados por uma lógica neoliberal extrativista que impossibilita as pessoas de viverem a cidade. O preço das casas e dos quartos para estudantes duplicaram para os 52%. Junto aos preços da habitação a inflação do preço da alimentação leva a que cada vez mais famílias não consigam esticar os seus salários até ao final do mês. As taxas de desemprego no país, ainda que caindo, mostram ser das mais altas da Zona Euro e das taxas de desemprego jovem mais altas da OCDE. Tudo isto nos leva a crer que este país não é para nós. Mas é! É na crença do nosso potencial transformador que lutamos contra a opressão estrutural pela justiça interseccional.
Marchamos por isso pela necessidade de uma justiça interseccional, que seja inclusiva e que reconheça e lute contra as múltiplas formas de violência e opressão que as pessoas LGBTQIA+ enfrentam, pelas suas identidades e expressões de género e características sexuais. A luta contra esta opressão estrutural deve ser feita de variadas formas, sendo uma delas as ações de rua da luta cidadã, com marchas politizadas. E a marcha de Viseu é uma marcha política. A força transformadora das marchas tem vindo a ocupar as ruas em Portugal, desde 2000, agora com 27 cidades, que lutam com consciência e resistência pela liberdade e igualdade.
A luta LGBTQIA+ não é só a luta dos Queer, das pessoas Trans, Não-Bináries, Intersexo, Arromânticas, Bi, Lésbicas e Homossexuais, é sim, a luta por uma sociedade livre de preconceitos onde toda a gente possa viver com dignidade contribuindo significativamente para a sociedade.
——————–
A 6.ª Marcha de Viseu pelos Direitos LGBTQIA+ realiza-se a 14 de outubro de 2023 em Viseu. Concentração às 15h30, no Parque Aquilino Ribeiro.