Portugal atravessa correntemente uma crise social profunda. A habitação é a mais inacessível em todos os países membros da OCDE, os salários estagnados, o SNS subfinanciado e a cultura relegada para menos de 1% do orçamento. Agora, o Governo pretende dar mais um passo atrás, trocando o investimento no Estado Social, conforme sugere o secretário-geral da NATO, pelo investimento na guerra, penalizando ainda mais quem sonha com um futuro melhor.
Discute-se então o aumento do investimento em defesa para 3,5% do PIB, sendo que o Governo se mostrou à vontade com um gasto de 5% do total do PIB, como se fosse uma potência bélica ou estivesse sob ameaça iminente. Que prioridades são estas? Que país quer Portugal ser?
Num gesto alarmante e simbólico desta inversão de valores, o Presidente da Câmara Municipal de Viseu, Fernando Ruas aceitou reunir com o embaixador de Israel com o objetivo de instalar uma fábrica de armamento no distrito. A justificação? O apelo recente do Governo à “urgência” de investir em defesa.
Isto acontece num momento em que o Primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, está formalmente acusado de genocídio pelo Tribunal Internacional de Justiça, com mandados de captura emitidos pelo Tribunal Penal Internacional por crimes de guerra e contra a humanidade. Importa lembrar que, de todos os países do Médio Oriente e arredores, Israel foi o único que:
- Não assinou o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP);
- Não ratificou o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional;
- Viola sistematicamente o direito internacional, incluindo a ocupação ilegal de territórios e a punição coletiva de populações civis.
Permitir a instalação de uma indústria de guerra associada a um regime envolvido num genocídio em curso é um passo gravíssimo. Faz de Fernando Ruas um cúmplice político de crimes internacionais e expõe Portugal a cumplicidades morais e diplomáticas que comprometem a sua posição internacional como Estado de direito e defensor da paz. É uma repetição da história que acabou por levar à perseguição de Aristides de Sousa Mendes. Uma tomada de posição que apenas não é oficial.
Além disso, esta escolha contraria frontalmente compromissos internacionais históricos assumidos pelas nações, nomeadamente o Pacto Briand-Kellogg (1928), onde os países renunciaram à guerra como instrumento de política, assim como o artigo 2.º, n.º 4 da Carta das Nações Unidas (1945), que obriga os Estados a absterem-se do uso da força e a privilegiarem sempre a via diplomática – algo que não tem acontecido, estando-se a privilegiar a via bélica à diplomática.
Portugal não é invadido desde as Invasões Napoleónicas. Há mais de um século que o país não participa em guerras em defesa do território nacional, tendo-se envolvido recentemente apenas para colaborar com potências estrangeiras.
Mesmo assim, já se observou como decisões aparentemente “logísticas” podem ter peso geopolítico: quando se permite que aviões militares dos EUA abasteçam nos Açores, contrariando as próprias declarações da União Europeia durante a invasão do Iraque, essas ações acabam por ser interpretadas internacionalmente como nada mais do que parte da coligação pró-guerra. E a neutralidade também se compromete em silêncio.
A paz não se constrói com fábricas de armas, mas sim com um investimento sério, ponderado e racional na justiça social, na cultura, na saúde e na educação.
Por isso, é urgente que Portugal rejeite o aumento do investimento em defesa, e que os recursos públicos sejam canalizados para as verdadeiras prioridades nacionais, como o SNS, a educação e o acesso à habitação.
Instalar mais uma fábrica de armamento em território português, sobretudo sustentada por um governo cuja direção já foi sentenciada em tribunal internacional por crimes contra a humanidade, entre outros crimes de guerra, é compactuar com o lado errado da história – lembrando que os soldados nazis e outros implicados no Holocausto foram também responsabilizados pelos seus atos, independentemente de estarem ou não a segiur ordens.
Desta feita, Fernando Ruas deve reverter imediatamente esta decisão vergonhosa, e que a Câmara Municipal de Viseu não seja cúmplice de genocídios nem instrumento de propaganda militar;
Que o país retome o caminho da solidariedade, dos direitos humanos e da paz, com investimento sério na educação pública e gratuita, na cultura, e num futuro que não dependa da guerra.
Portugal tem uma escolha a fazer: alimentar a morte ou defender a vida.
Não em nosso nome!





