Em jeito de provocação, a Câmara Municipal de Viseu voltou a não autorizar a realização da manifestação feminista do 8M (8 de março) no Mercado 2 de Maio, repetindo o argumento de 2024, de que aquele não é um espaço público. Esta decisão e qualquer outra limitante do direito constitucionalmente garantido à manifestação em espaços abertos ao público (e/ou privados abertos ao público) é ilegal.
Em 2024, também a propósito da manifestação do 8M, o Município alegava que aquele espaço “pertence ao domínio privado do município e o respetivo logradouro destina-se a uso das frações comerciais e eventos promovidos pelo município”.
Como assinalamos na altura, o Mercado 2 de Maio é uma zona de passagem de pessoas e ao longo dos anos foi considerado um espaço público, tendo sido palco de inúmeras iniciativas, inclusive reconhecida pelo próprio município de Viseu como “património histórico da cidade de Viseu e enquanto promotor da conexão social e polo dinamizador da vida das comunidades e do concelho” (veja-se o Regulamento nº 88/2024).
A argumentação contra a realização de iniciativas cidadãs naquele espaço, que bem precisa de dinamismo, está cercada de inverdades. Aquela praça já viu várias manifestações, entre elas “Pela Reabilitação do Centro Histórico”, em 2009, o que contraria as declarações públicas de Fernando Ruas: “Nunca autorizámos eventos para o Mercado 2 de Maio nem autorizaremos. Era abrir uma caixa de Pandora”, declarou ao DN a 7 de março de 2024. Também ao mesmo jornal diz ter dado parecer negativo a um comício da AD, declarações prontamente desmentidas por Pedro Alves, dirigente do PSD de Viseu.
Este ano, a Plataforma Já Marchavas enviou por email à Câmara o aviso de manifestação no passado dia 24 de fevereiro de 2025. A resposta do município chegou apenas no dia 7 de março, durante a tarde, o que consideramos que é um acto de má fé, inviabilizando a comunicação de uma alternativa, e apenas referindo que “no uso de competência delegada pelo Despacho nº 009/P, de 21-10-2021, informa-se V. Ex.ª que, tendo em conta a especificidade do espaço indicado para a realização do evento (Mercado 2 de Maio), não é autorizada a manifestação no seu interior”.
No entanto, este Despacho de nada serve para justificar a sua proibição de realização de manifestações. Tanto que o exposto no Decreto Lei n.º 406/74, de 29 de agosto, que vem garantir e regulamentar o direito à reunião, indica claramente, e logo no seu artigo 1.º, que “A todos os cidadãos é garantido o livre exercício do direito de se reunirem pacificamente em lugares públicos, abertos ao público e particulares, independentemente de autorizações, para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou colectivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, apenas podendo ser “interditas as reuniões que pelo seu objecto ofendam a honra e a consideração devidas aos órgãos de soberania e às Forças Armadas”. Sendo que estava em causa uma concentração pelos Direitos das Mulheres, não se observa qualquer justificação legal e/ou válida para a respectiva interdição de um lugar que, ainda que podendo pertencer ao domínio privado da Câmara Municipal, continua a ser um lugar aberto ao público, não sendo sequer necessária qualquer tipo de aprovação da Câmara, e sim apenas o aviso prévio, dentro das conformidades legais.
A única obrigação que a lei impõe às pessoas ou entidades que pretendam realizar eventos em lugares públicos ou abertos ao público é “avisar por escrito e com a antecedência mínima de dois dias úteis o presidente da câmara municipal, que passará recibo comprovativo da recepção.”
Desta feita, é de relembrar à Câmara Municipal de Viseu que qualquer tentativa de limitar o acesso ao direito à manifestação garantido constitucionalmente, está sujeito a sanções penais, nos termos do Decreto Lei nº 406/74, artigo número 15.
A Plataforma Já Marchavas reitera o seu repúdio a este atentado aos direitos de expressão e de manifestação conquistados no 25 de Abril e plasmados no artigo 45.º da nossa Constituição da República Portuguesa, que refere expressamente, no seu número 1, que “Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização”, e afirma a sua intenção de continuar a cumprir a lei em todas as manifestações/concentrações/vigílias que realiza no espaço público considerando que, mais uma vez, teve toda a legitimidade em realizar a comemoração do 8 de março num espaço aberto ao público, onde o exercício da cidadania deve ter lugar.